Avó Maria | a mãe - VI

A vida encarregou-se de endireitar as coisas.
já mulher, emília várias vezes recebia a visita da mãe.
na sua cabeça pesava ainda aquela recepção que lhe fizera nos seus oito anos quando a vira pela primeira vez.
maria fez-lhe entender que não havia lugar para arrependimento, nem perdão, o importante é que estavam juntas e a vida não as tinha conseguido separar.
Vó maria,já velhinha com os seus longos panos, fazia questão de morar sozinha na sua palhota de chão de terra batida, bem alisado, que parecia cimento vermelho.
por vezes ficava alguns dias lá em casa. Sentava-se, desenrolava a "limbueta" por baixo dos panos que lhe ajustava a cintura,onde guardava o tabaco e o seu cachimbo.
preparava-o com cuidado e o vagar saboroso do tempo, que nos permitia acompanhar e gravar na memória, e colocava-o ao canto da boca soprando grandes baforadas de azul que rodopiava no ar e enchia o ambiente do cheiro que já conhecíamos bem.
Eu era a sua caçulinha na altura. aninhava-me ao seu colo magro, e fazia muitas perguntas.
na mão esquerda tinha um quisto enorme que parecia uma tangerina escondida sob a sua pele escura.
eu palpava-a e perguntava,- avó que ícho? e ele serena respondia-me coma a longa estória do leão malvado que lhe tinha mordido a mão. - a mão inchou e ficou sempre assim xinha.
morreu muito velhinha a avó maria,não sei quantos anos. a guerra levou-a para a filha que estava a viver agora no huambo onde viveu os últimos anos da sua vida independente na sua palhota.
tinha já a viagem prometida para visitar a sua filha mais nova agora a viver no puto com essas coisas das confusões da altura da independência.
as coisas também não estavam a correr bem. a guerra não deixava semear,a miséria e a fome era muita.
na viagem ía vestir os panos novinhos que a filha lhe mandou que imitavam bem os quitengues já gastos de muitos anos.
os netos já mulheres e homens feitos, bisnetos da mais velha que ainda não conhecia, esperavam-na com ansiedade.
estava prometido. mãe e filha íam finalmente viver juntas.
o destino não quis. partiu antes de abraçar a filha,os seus netos e bisnetos,
e meu deus... quanto havia ainda por trocar, partilhar, por dizer...

Maio de1985

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