banho colectivo | na viagem da vida com o pai - a rádio misteriosa - II

ansiávamos sempre por estes momentos das férias ou pelosdias que passavaem casa no intervalo das viagens e eram poucos aolongo do ano. viamo-lomoldar o barro, pegar nos óleos epurpurinas e criar jardins na parede da sala ou a fazer bustos ou estatuetas do seu imaginário.
o pai teve um sonho... o de entrar para as belas Artes. Só a alguns amigos brancos coube a sorte da bolsa em portugal. chegou mesmo na juventude,oh, santa inocência!... a escrever ao salazar a pedir a dita bolsa, mas comoeu dizia,era umsonho... nem sequer obteve resposta.
naquela época já era fanático pelo noticiário, as notícias que passavam na rádio, como hoje pelo telejornal, o que significava que eram alturas lá em casa em que não podíamos abrir a boca fosse pelo que fosse, pois levávamos um ralhete que nos punha todos encolhidos. mas havia umprograma que deixava a mãe muito nervosa,epedia encarecidamente aopai que pusesse o rádio baixinho para os vizinhos não ouvirem o que nos deixava muito intrigados...
a mãe fechava as persianas para que nenhum som passasse para fora de casa, o pai nem a escutava, rodava o botão do rádio que roncava emitindo ruídos desafinados,procurando sintonizar a emissora misteriosa. e era mesmo misteriosa porque quando o pai a encontrava nãoconseguíamosperceber o que os homens lá de dentro falavam. - alface chegou à horta! ouvia-se quase ao fundo dos riscos das interferências. eram afinalcódigos. esó alguns iriam perceber. era então que opai colava o ouvido ao aparelho e se virava de vez em quando para nos mandar calar e a avaliar pelo quadro adivinhavamos que se trataria de alguma coisa perigosa.
o ar cheirava a medo como quando perdemos o nosso mano mais velho então com doze anos quando ainda nos estávamos a habituar ao calor nos dias da capital.
o mano era mesmo curioso, e já com os brinquedos tentava sempre saber como funcionavam e ver o que estava por dentro. então entretinha-se sempre a desmanchá-los e a montá-los outra vez. era a sua brincadeira favorita. foi assim que pensámos que tudo aconteceu quando encontrou aquele engenho que o levou de nós. desta vez tratou-sede um brinquedo estranho que tomou conta dele enunca nos devolveu, fazendo-o desaparecer das nossas vidas para sempre.
foi perto do RIL o regimento de infantaria de luanda. estava a chuviscar, ele ainda voltou atrás e pediu à mãe mil e quinhentos, era assim que o valor 1$50 de um escudo e cinquenta centavos,para o machimbombo. era dinheiro que a mãe não tinha para que o fariam poupar os muitos quilómetros que tinha que fazer que o separavam do bairro tomando a estrada de catete até à escola. foi já perto,junto aos maristas que aconteceu a tragédia que nos roubou o chiquinho ainda o 68 maltinha começado. amãe com os olhos tristes abanou a cabeça e ele lá foi...
quando a polícia parou à porta foi para nos dar a notícia a que se seguiram os interrogatórios ao pai, não fosse ele ter mandado o mano pôr a bomba na escola.
Enfim,tinha sido afinal apenas uma vítima de um descuido de guerra, e não tendo sido o pai o terrorista não se apuraram mais responsabilidades...
uma vez o pai foi detido para responder por uma venda de armas aos turras. eram visitas atrás de visitas à nossa casa enquanto o pai não estava e também não estava em viagem. queriam uma fotografia dele mais novo e a mãe procurava remexendo à procura da lata de bombons suissos às flores por baixo dos naperons de renda e lençóis brancos do enxoval, dentro da mala de cânfora. enfim, coisas da pide a que muito poucos escaparam.
já em tempo de liberdade, já falávamos alto e bom som sobre aquela emissora misteriosa, a Angola Combatente, e outros mambos como este, agora até já com certo orgulho.

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